terça-feira, 22 de outubro de 2013

VISITA À MOURARIA

Gota a gota fomos chegando, à hora certa, ao ponto de encontro. Eram caras alegres e sorridentes que se olhavam e cumprimentavam.
Fez-se a chamada e todos responderam. Apareceu o guia – Pedro Santa Rita – elemento fundador do grupo “Renovar a Mouraria”. E começou-se a visita.


 Logo ali, bem juntinho a nós a protecção da Srª da Saúde na capela do mesmo nome. Já Amália cantava que no dia da procissão “naquele bairro fadista / calam-se as guitarras /  não se canta nesse dia / velha tradição bairrista / vibram no ar badaladas / há festa na Mouraria” .

Mas nesse dia não havia procissão. Ouvimos, sim, a história da formação daquele bairro de má fama – outrora – hoje cheio de história e recuperação.
Sabemos que o recorte inicial de Lisboa é romano mas, os bairros mais antigos têm traçado árabe: vielas tortuosas, pequenas praças, casas de cada lado da rua que quase se tocam, ruas estreitas por onde dificilmente se circula.
Depois da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques em 1147, a cidade expande-se e criam-se novas freguesias – são 10 até ao final do séc. XII. No final do séc. XIX existem 42 e no 1º quartel do séc. XX, 53 freguesias.
Em 1256 D. Afonso III faz de Lisboa a capital do reino e no final da 1ª dinastia, D. Fernando, vê-se obrigado a traçar nova cerca para abranger os novos arrabaldes. A construção começou no 1º dia de Setembro de 1373 “ por vontade do rei e força do povo”.

                                              Inscrição comemorativa da construção da muralha fernandina


As portas principais ficavam em Santa Catarina (topo do Chiado), S. Roque, Portas de Sto Antão (Arco do marquês do Alegrete). Um troço da muralha cortava transversalmente o actual Martim Moniz, deixando de fora, para norte e oriente, a maior parte da Mouraria.
Depois da tomada de Lisboa, Mouros e Judeus vivem fora das muralhas em bairros de vielas escuras, hortas e casais, quase sempre agrupados à volta de uma pequena mesquita. A Mouraria possuía um templo no topo da actual R. do Capelão e estendendo-se até muito perto da Praça da Figueira.
D. Manuel I expulsou os mouros e os judeus em 1496. Os cristãos invadiram a Mouraria, enchendo-a de templos. Durante a epidemia da peste negra, iniciou-se o culto mais antigo e pitoresco desta zona – a devoção à Srª da Saúde. Mais tarde apareceram as devoções a S. Roque e a S. Sebastião.
A capela da Srª da Saúde está construída no vale situado entre a colina de S. Jorge e a colina de Sant’Anna.



Capela da Nossa Senhora da Saúde

A ermida da Srª da Saúde foi construída mesmo à beira da porta da Mouraria, um dos locais onde se cobravam os impostos de portagem para a entrada de mercadorias em Lisboa. Mais tarde esta porta deu lugar ao Arco do Marquês do Alegrete. A capela foi construída em 1509, dedicada a D. Sebastião, advogado contra os males da peste, da fome e da guerra.

Em 1506 a peste bubónica levou a população ao culto da Srª da Saúde, nessa mesma ermida de S. Sebastião. A capela tem uma arquitectura barroca de fachada simples que é atribuída ao mestre João Antunes. Ainda hoje a procissão realiza-se a 8 de Maio.

E Amália cantou:

“Após um curto rumor / profundo silêncio pesa /  Por sobre o largo da Guia / Passa a Virgem no andor / Tudo se ajoelha e reza / Até a Rosa Maria”.

Botequins, batota, ladrões, malfeitores, prostitutas e rufias constituíram a vida e o estranho encanto da Mouraria. No séc. XXI, a Mouraria continua como nos tempos medievais – uma zona autónoma. Da Mouraria se faz o Templo do Fado e, foi na rua do Capelão que viveu e morreu, aos 26 anos, Severa – Mª Severa Onofriana (nascida na Madragoa).


Placa evocativa da Severa, na casa onde viveu
Foi heroína digna de romance de cordel, prostituta recebida por nobres, rouxinol da Mouraria…

Colégio dos meninos órfãos - portal



Ainda na R. da Mouraria, encontramos o Colégio dos Meninos Órfãos, fundado em 1273 por D. Brites, esposa de D. Afonso III, tendo começado como hospital de crianças órfãs.
 É composto por quatro andares. O piso térreo apresenta, na parte central, um portal manuelino com arco contra curvado assente em duas colunas delgadas colocadas em posição invertida - com os capitéis a servir de base -, sobrepujado por uma janela desenhada em arco de volta perfeita - servindo de arranque a quatro pilastras toscanas - e ladeado por uma porta e uma janela.
 Os meninos aqui recolhidos eram instruídos na doutrina cristã, ensinavam-lhes as primeiras letras, aprendiam a cantar e a tocar órgão para acompanharem os missionários em terras distantes.








Entre a R. da Mouraria e o antigo Martim Moniz, situava-se o Palácio dos marqueses do Alegrete, que foi construído em 1580, junto à muralha Fernandina. Um dos seus habitantes foi o 2º conde de Vilar Maior, encarregado de ir a Heidelberg, buscar a Princesa D. Mª Sofia de Neuburg, que viria a casar  com D. Pedro II. O palácio passou por diferentes proprietários e foi sede de diferentes funções. Acabou por ser demolido pela C. M. Lisboa em 1946.
Seguimos pela R. do Capelão onde também morou Fernando Maurício – fadista afamado - , passámos pelo largo da Guia em direcção à rua Marquês de Ponte de Lima. Aí podemos apreciar o convento de Sto Antão-O-Velho, antigamente conhecido pelo Coléginho. Este convento tornou-se, em 1542, a 1ª fundação jesuíta. No seu claustro ainda se podem admirar belos painéis de azulejos. Na capela do convento encontramos algum espólio da igreja do Socorro – demolida nos anos 40 do séc. XX – Aqui está a imagem da Sr.ª do Bom Despacho . Eis a oração:

Por intercessão de Nossa Senhora do Bom Despacho

Deus, Pai Santo,
Fonte de todo o bem,
que na vossa benigna Providência
quisestes que vosso Filho Jesus Cristo
assumisse verdadeira carne humana
no seio da Virgem Maria,
concedei-me que,
por intermédio
de Nossa Senhora do Bom Despacho,
alcance a graça que Vos imploro. Amen.

No muro alto da rua dos Lagares vimos uma exposição fotográfica da autoria da britânica Camila Watson que retrata habitantes da Mouraria, comerciantes e artesãos.

Identificação do proprietário do prédio
E por adiante caminhámos. Atravessámos a R. das Farinhas talvez a rua mais direita do bairro. Como o nome indica, por ali se estabeleceram os moleiros, os padeiros, todos os que estavam relacionados com a moagem. Muitos dos prédios ainda existentes pertencem a séculos passados. Apreciámos os “brasões” das casas, elucidando o visitante sobre o nome do proprietário.


Igreja de São Cristóvão




Continuada rua fora encontramos a igreja de S. Cristóvão situada no topo das escadinhas de S. Cristóvão. A primeira igreja aí construída, no séc. XIII, em honra da Sta Maria de Alcamim, foi destruída por um incêndio no séc.XIV. No século seguinte foi restaurada e melhorada. A sua fachada apresenta-se em estilo maneirista, com um portal no centro, encimado por um nicho com a imagem de S. Cristóvão. A frontaria é ladeada por 2 torres sineiras. A sua capela está inserida no palácio dos Caldas.






Mesmo ao lado – talvez em frente – deparamos com o palácio de S. Cristóvão, anteriormente conhecido por palácio Vagos. Possui uma arquitectura residencial, barroca. Planta do edifício desenvolvida a partir de um pátio central com acesso por meio de um túnel aberto no centro da fachada principal. Tem um portal manuelino, de verga recta, com decoração vegetalista, de feixe torso.
Em 1451 o palácio foi palco de festividades por ocasião do casamento de D. Leonor de Portugal – filha de D. Duarte – com Frederico III dos Habsburgos e, que seria a bisavó do Imperador Carlos V.
Mais tarde o palácio foi denominado de casa dos condes de Aveiras e marqueses de Vagos, por aí residir D. Álvaro, filho II dos duques de Bragança.


Palácio de São Cristóvão
Em 1913 foi aí instalada a Associação dos Socorros Mútuos do Empregados do Comércio, tornando-se esta casa uma maternidade famosa da região de Lisboa.



Esta zona pertence já à freguesia de S. Cristóvão- S. Lourenço. Até ao final do séc. XIX esta freguesia estava dividida em duas: S. Cristóvão e S. Lourenço. Numa das ruas da Mouraria está sinalizado o local de fronteira das freguesias.



Depois, já cansadas, fomos até ao largo das escadinhas que dão para a rua do Poço do Borratém e fomos degustar um merecido lanche-ajantarado, não sem antes apreciarmos um grafiti feito pela Associação Renovar a Mouraria.



Maria Glória Chaves
Maio de 2013

2 comentários:

  1. Vim logo ver o Blogue.
    Bom trabalho!
    Muito obrigada.

    MJoãoMacedo

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    1. Nós é que agradecemos a sua visita, a um cantinho que é de tod@s nós, associados e amigos do VCA
      MT

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