domingo, 12 de outubro de 2014

PENEDONO


Breve Apontamento de viagem

“Mas um só, que Magriço se dizia,
Destarte fala à forte companhia:
«Fortíssimos consócios, eu desejo,
Há muito já, de andar terras estranhas,
Por ver mais águas que as do Douro e Tejo,
Várias gentes e leis e várias manhas.
Agora que aparelho certo vejo,
Pois que do mundo as cousas são tamanhas,
Quero, se me deixais, ir só, por terra,
Porque eu serei convosco em Inglaterra.»”
Camões, L., Lusíadas, Canto VI, 53-54

Se alguma terra em Portugal pode ter a honra de ser berço de herói de cavalaria, comparável a qualquer outro cavaleiro estrangeiro celebrado pelos romances e gestas da Idade Média, será (muito provavelmente) Penedono, onde terá nascido Álvaro Gonçalves Coutinho, o famoso “Magriço”.
Penedono é terra granítica de muita beleza, qual recanto mágico onde o tempo parece ter parado, dominado por um castelo de estilo românico-gótico de harmonia ímpar.



 Tudo em Penedono foi perfeito, a começar pelo acolhimento, e a terminar na orientação através dos vários monumentos, polvilhados aqui e ali com as réplicas de máquinas de guerra medievais que tornam todo o espaço numa espécie de museu a céu aberto.
Tal como o “Magriço”, homem forte e corajoso do Douro, somos portugueses que têm esse desejo ou até vocação de “andar por terras estranhas”, de ver “mais águas” e “várias gentes” e conhecer “várias manhas”.

Sentimos o apelo da viagem porque em muitos de nós existe um sentimento de liberdade que naquela se concretiza e este não tem fim, como diz J.M.G. LE CLÉZIO, em Deserto :
“Não havia fim para a liberdade, ela era tão vasta como a extensão da terra, bela e cruel como a luz, doce como os olhos de água.”
Texto: Isabel Gualdino




segunda-feira, 6 de outubro de 2014

DOURO, DOURO

Douro, Douro”, 6 de Outubro de 2014
William Wordworth sustentava que certos espectáculos que testemunhamos na Natureza nos acompanharão ao longo de toda a vida e que sempre que os trouxermos à consciência, serão para nós uma força de combate e de alívio frente às dificuldades do presente. Foi a essas experiências que chamou “lugares do tempo”.
Há na nossa existência lugares do tempo
Que preservam em clara permanência
Uma virtude que renova…
Que nos penetra e faz subir mais alto
Quando é alto que estamos, e caídos nos levanta.
Também eu, na visita ao “Douro, Douro” conheci ou revisitei “lugares do tempo”.


Em Foz Côa, naquele vale que acolheu as primeira comunidades humanas em épocas glaciares, fiquei deslumbrada com as encostas a pique, que recebem e devolvem toda a força, todo o calor dos raios solares. Por uns momentos, sentada na pequena esplanada frente ao museu, eu ouvi o silêncio, somente entrecortado pelo voo dos insectos. Lá em baixo, o Douro recebendo as águas do Côa, encarrega-se de levar para diante, até ao mar, as águas serenas que têm permitido, ao longo de milénios, a sobrevivência do Homem, dos animais, das plantas.





No Douro, naquele Douro selvagem entre rochas escarpadas, vi uma paisagem rio acima, quando a luz da tarde iluminava as margens e criava espelhos verdes nas águas tranquilas, quando as carpas saltavam, quando as aves sobrevoavam a linha de água levantando um pequeno sulco rastejante, à tona. E vi outra paisagem rio abaixo, no regresso, quando o Sol já declinava e dava uma escuridão às diferentes linhas de montanhas atrás das quais se escondia. O nosso barco seguia a meio do rio, tão distante do lado português como do espanhol, e em cada curva dessa estrada dourada parecia não haver saída, não se percebia por onde continuava o curso do Douro. Vi, observei, respirei. Absorvi aquelas imagens impressionantes, aquele lugar do tempo, que tenho a certeza vou guardar para sempre.
No Alto Douro Vinhateiro – Natureza moldada pelo Homem – parece que as vinhas andam a brincar com a geometria. Olhadas de certo ângulo, surgem-nos em linhas rectas. Olhando adiante impõem-se as linhas curvas, onduladas, sujeitas que estão ao terreno. Aqui surgem figuras triangulares, acolá já têm quatro lados. Eis que as formas são regulares para logo depois não o serem. Grinaldas dispostas pelos montes, agora verdes, logo ali amareladas, umas já em tons vermelhos, outonais. Terras de xisto, muros de xisto, precipícios, curvas. E, lá em baixo, o rio, essa serpente que ondeia entre as encostas, com um movimento imperceptível, mas que nos magnetiza, para onde o nosso olhar se arrasta e fica preso, irremediavelmente.
As trepidações do autocarro puseram à prova a nossa resistência lombar, mas a reportagem fotográfica captou imagens para levarmos para casa o lugar do tempo.
E que dizer do património edificado? Militar, civil, religioso, tivemos de tudo. Desde o castelo de Penedono, ao bairro judeu de Freixo Espadacinta, à belíssima igreja de Torre de Moncorvo… A marca do Homem deixada ao longo dos séculos, em terras distantes do litoral, do centro, e que mantêm orgulhosamente a identidade, conservando os seus monumentos, valorizando o que os torna únicos.
Depois, há as pessoas! As que fomos encontrando nas diferentes povoações, sim, mas também nós – o nosso grupo.
A preparação, a especialização, o saber e a paixão dos nossos guias, a força e o entusiasmo que puseram nas suas explicações, a afabilidade com que nos acolheram faz de nós seres privilegiados, uns sortudos.
E que dizer de um grupo disciplinado, pontual, bem disposto, interessado por todos os aspectos culturais, capaz de alinhar na procura do desenho escondido na pedra, no inteirar-se do processo de fabrico da amêndoa coberta, disposto a tragar da caneca um gole de Porto antigo, pronto a cantar os “Parabéns a você” mais trinta vezes se preciso ou a exteriorizar na dança a vibração forte que as concertinas provocam em nós!
E como não é só das coisas da alma e do espírito que nos alimentamos, que escolha acertada a do almoço no Freixinho!
Guardemos, pois, a memória de tudo o que experienciamos e que todas estas vivências nos ajudem a enfrentar a rotina do dia-a-dia com mais força e boa disposição.


MAIS FOTOS
Ana Lobo e Luisa Ferreira

Texto: Ana Amorim
Fotos: Maria Luísa Ferreira
Ana Maria Lobo






SENTIRES

Da Graça a Santa Apolónia


E, meus caros amigos, começou o ano. Ano? Sim o ano lectivo. No nosso grupo a maioria pertence à classe dos professores. E nós, habituámo-nos, durante muitos anos, a funcionar com o calendário escolar.

Foi no dia 20 de Setembro – mês das vindimas – que nos reencontrámos para mais uma visita guiada por esta cidade - tão linda! – de Lisboa. Fomos da Graça a Santa Apolónia, muito bem guiados pelo nosso guia exclusivo Pedro Santa Rita.
Todos tínhamos receio destas chuvas que lavam o nosso país mas, S. Pedro espreitando por entre duas nuvens, disse:
- Lá andam os meninos andarilhos de Lisboa. Como todos são boa gente, esta tarde não vou enviar chuva.
E não só não choveu como fez um calorzinho bem agradável.
Iniciámos a visita em Sapadores, junto ao mercado onde tirámos uma fotografia de família. E lá fomos nós, conversando, de ouvidos bem atentos à explicações, em direcção ao bairro da Graça para visitar a Vila Estrela d’ Ouro.
O Bairro Estrela d’Ouro cuja construção remonta aos começos do séc. XX (1907 /09), projectado pelo arquitecto Marques Júnior é um dos testemunhos exemplares da presença e do empreendedorismo da comunidade galega em Lisboa. Trata-se de uma antiga vila operária que Agapito Serra Fernandes, industrial de confeitaria, mandou construir para os seus trabalhadores. Ele próprio residiu no bairro com os seus familiares na vivenda Rosalina. No topo norte do bairro, os restantes edifícios de rés-do-chão e primeiro andar, com galeria e escada exteriores, distribuem-se, em forma de U, em torno de arruamentos particulares com nomes de familiares do proprietário A estrela de cinco pontas constitui a imagem de marca do bairro, naturalmente um dos símbolos da Galiza em alusão a Compostela - primitivamente chamada Campo de Estrelas. Um pouco por toda a parte encontramos a estrela nos passeios, na fachada da antiga fábrica, no antigo cinema, no ferro forjado das galerias, nos painéis de azulejos à entrada e no interior do bairro
Actualmente, é um bairro particular que está integrado no espaço urbano de Lisboa, fazendo parte do seu património histórico.
Passámos junto ao edifício onde funcionou o cine Royal, local onde se projectou o 1º filme sonoro em Portugal “Sombras brancas nos mares do Sul”.
Dirigimo-nos, depois, à rua do Sol à Graça. Quem a desce, encontra logo à sua direita a Travessa da Pereira: é aí que se esconde a Vila Berta, depois de atravessado um arco onde o seu nome se inscreve num pequeno painel de azulejo. Em 1887, Joaquim Francisco Tojal adquiriu a Quinta do Fidalgo e aí mandou construi a vila, de caracter essencialmente imobiliário e não operário, como as demais. O nome Berta deve-se ao facto do Joaquim Francisco Tojal ter tido apenas uma filha mulher, Berta. Joaquim Francisco Tojal era um investidor ligado à construção civil e ainda estão na posse da família cerca de 40 a 50% dos prédios. Foi dividida em duas frentes: uma mais nobre, a zona das varandas, a outra menos, ambas voltadas para uma rua interior. A Vila Berta é detentora de uma arquitectura eclética, que aglutina apontamentos Arte Nova (visíveis, por exemplo, no friso de azulejos onde se lê o nome da Vila --- Vila Bertha --- e na platibanda que percorre o conjunto de edificios), com o uso do ferro forjado em linhas ondulantes no gradeamento das varandas, denunciando assim um nítido comprometimento estético com propostas arquitectónicas de fim de século, num momento em que, na Europa, estas já haviam atingido o seu zénite., É um conjunto harmonioso com escadinhas que, de cada porta, comunicam com a rua principal, e varandas de ferro verde no primeiro andar servindo de alpendre ao rés do chão. Trepadeiras, plantas e flores aumentam o verde daquele cenário impar, com um cunho bastante intimista. .
Ainda no Largo da Graça nº 58, encontramos o edifício onde funcionou a Escola Oficina nº 1.. Foi fundada pela Sociedade Promotora de Asilos Creches e Escolas, em 1905, sob inspiração maçónica (republicana e anarquista), tendo sido inicialmente pensada como escola de marcenaria dirigida a alunos de bairros operários, de classes trabalhadoras e médias. Mas acabaria por dar lugar a um projecto mais vasto e ambicioso, associado ao princípio do ensino integral. A partir da década de 30 começou a ser uma escola normal para crianças pobres do bairro da Graça. Encerrou definitivamente em 1987.
Já que estávamos no Largo da Graça fomos até ao miradouro admirar esta nossa Lisboa, tão luminosa, tão bela, tão acolhedora. Ali podemos ler a frase, escrita no muro “ que amor é este que nos faz ir e voltar, Lisboa?”
Um pouco ao lado, na Travessa das Mónicas, encontramos um dos poucos edifícios que não ruíram com o terramoto – O palácio dos Senhores de Trofa. A sua fachada principal mantém o traçado do séc. XVII. O portal de entrada desemboca por um corredor sob o palácio e é sustentado por um arco de volta perfeita. Este pátio é conhecido como o pátio das cobras. No meio do espaço está uma cisterna desactivada.
Continuamos no Largo da Graça. Mesmo no lado oposto ao miradouro está a vila Sousa que foi construída em 1890 com o seu candeeiro mesmo no meio do pátio como se fosse árvore ali plantada que chamasse quem de fora espreitasse pelo arco e pela estreita rua que até ele vai dar.
O edifício de grande imponência, ocupa uma área substancial do largo e apresenta a fachada exterior decorada de azulejos. O acesso faz-se por intermédio de um portão de ferro e, no seu interior, o largo é cercado por casas contíguas de dois e quatro pisos.
Mesmo ao lado do portão de entrada encontra-se o famoso Botequim onde Natália Correia fazia as suas noites de tertúlia.


E começámos a descer a rua Voz de Operário que, primeiramente foi Rua da Infância. Porquê? Porque era naquela rua que existiam as instituições de amparo às crianças órfãs e abandonadas. A rua tomou o nome da instituição aí erguida
Texto: Glória Chagas