terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

CONVENTO DOS CARDAES


8 de Fevereiro de 1714! Não esquecerei nunca aquele dia! A minha entrada no Convento dos Cardais! Nem Nossa Senhora da Conceição que sempre foi a minha protectora, e que ali estava no altar lindíssimo da igreja, me ajudou, me deu força e alento para suportar esta passagem.
Deixar para trás a casa dos meus pais – o conforto, a ternura, a cumplicidade com as minhas irmãs, o convívio alegre, os passeios, as festas. Pensar que não mais verei aqueles olhos negros, profundos e doces que procuravam ler nos meus, os sentimentos, o estado de espírito, o apelo da carne, que ardia silenciosamente no meu âmago.
Tudo mudou. O meu nome passou a ser Teodora de Jesus Maria José. Os meus vestidos foram trocados pelo hábito, igual ao de todas as outras religiosas da instituição. Os meus pés passaram a ter um estado crónico – gelados. A minha rotina passou a ser oração, oração, oração.
Revoltada, eu? Sim, a princípio, sem dúvida. Então quando me faziam reparar nos painéis de azulejo holandês da igreja e queriam que eu meditasse na vida de Santa Teresa de Ávila, as minhas entranhas viravam-se ao contrário. Levitar em comunhão com Cristo, etérea, aérea! Eu não sou ar, sou fogo! A minha alma, o meu coração, o meu corpo ardem de desejo por aquele homem! Proibido, eu sei. Essa interdição é que me trouxe para aqui! E só à noite, na escuridão da minha cela, eu sonho, eu fantasio, eu viajo para fora daqui e me recolho nos seus braços. E as quatro paredes estreitas do meu quarto alargam-se e eu imagino-me dona da minha casa, com um homem amante aos meus pés. Na minha imaginação até o céu pode estar azul e os jardins floridos. O meu mundo interior! Nele encontro conforto.
- Irmã Teodora! Tão calada e sossegada! Mas tão séria, tão triste! Quero ver um sorriso nesses olhos. Deus Nosso Senhor deu-nos a graça da vista. E olhe, irmã, não vemos nós, à nossa volta, essas mulheres de todas as idades atingidas pela cegueira? Animai-vos. Vinde comigo.
Aquela irmã Ana conseguia ser tão despojada das coisas do Mundo! E o seu amor ao próximo, a sua preocupação com os outros, com todos os que sofrem (e até comigo que tento aparentar tranquilidade) era tão genuíno. O seu tom de voz e as suas palavras traziam paz!
Naquele dia levou-me até à cozinha, onde a irmã Benedita, à volta com os doces e compotas, experimentava ter sucesso com uma nova receita de ovos e limão.
- Posso ajudar? – perguntei.
A partir de então, comecei a encafuar nos frascos de geleia as minhas angústias. Enrosco bem a tampa para de lá não saírem. E nestes afazeres manuais descarrego parte da minha tensão e da minha revolta.
O tempo passa devagar, mas põe tudo no lugar!

 Texto;Ana Amorim
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2014
Imagens:Internet

1 comentário:

  1. Realmente a visita ao Convento dos Cardais foi muito inspiradora. para a Ana. Quantas Teodoras não terão chorado as suas penas de amor naquele e noutros conventos.....Gostei muito do convento e , claro, do teu texto

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