segunda-feira, 6 de outubro de 2014

DOURO, DOURO

Douro, Douro”, 6 de Outubro de 2014
William Wordworth sustentava que certos espectáculos que testemunhamos na Natureza nos acompanharão ao longo de toda a vida e que sempre que os trouxermos à consciência, serão para nós uma força de combate e de alívio frente às dificuldades do presente. Foi a essas experiências que chamou “lugares do tempo”.
Há na nossa existência lugares do tempo
Que preservam em clara permanência
Uma virtude que renova…
Que nos penetra e faz subir mais alto
Quando é alto que estamos, e caídos nos levanta.
Também eu, na visita ao “Douro, Douro” conheci ou revisitei “lugares do tempo”.


Em Foz Côa, naquele vale que acolheu as primeira comunidades humanas em épocas glaciares, fiquei deslumbrada com as encostas a pique, que recebem e devolvem toda a força, todo o calor dos raios solares. Por uns momentos, sentada na pequena esplanada frente ao museu, eu ouvi o silêncio, somente entrecortado pelo voo dos insectos. Lá em baixo, o Douro recebendo as águas do Côa, encarrega-se de levar para diante, até ao mar, as águas serenas que têm permitido, ao longo de milénios, a sobrevivência do Homem, dos animais, das plantas.





No Douro, naquele Douro selvagem entre rochas escarpadas, vi uma paisagem rio acima, quando a luz da tarde iluminava as margens e criava espelhos verdes nas águas tranquilas, quando as carpas saltavam, quando as aves sobrevoavam a linha de água levantando um pequeno sulco rastejante, à tona. E vi outra paisagem rio abaixo, no regresso, quando o Sol já declinava e dava uma escuridão às diferentes linhas de montanhas atrás das quais se escondia. O nosso barco seguia a meio do rio, tão distante do lado português como do espanhol, e em cada curva dessa estrada dourada parecia não haver saída, não se percebia por onde continuava o curso do Douro. Vi, observei, respirei. Absorvi aquelas imagens impressionantes, aquele lugar do tempo, que tenho a certeza vou guardar para sempre.
No Alto Douro Vinhateiro – Natureza moldada pelo Homem – parece que as vinhas andam a brincar com a geometria. Olhadas de certo ângulo, surgem-nos em linhas rectas. Olhando adiante impõem-se as linhas curvas, onduladas, sujeitas que estão ao terreno. Aqui surgem figuras triangulares, acolá já têm quatro lados. Eis que as formas são regulares para logo depois não o serem. Grinaldas dispostas pelos montes, agora verdes, logo ali amareladas, umas já em tons vermelhos, outonais. Terras de xisto, muros de xisto, precipícios, curvas. E, lá em baixo, o rio, essa serpente que ondeia entre as encostas, com um movimento imperceptível, mas que nos magnetiza, para onde o nosso olhar se arrasta e fica preso, irremediavelmente.
As trepidações do autocarro puseram à prova a nossa resistência lombar, mas a reportagem fotográfica captou imagens para levarmos para casa o lugar do tempo.
E que dizer do património edificado? Militar, civil, religioso, tivemos de tudo. Desde o castelo de Penedono, ao bairro judeu de Freixo Espadacinta, à belíssima igreja de Torre de Moncorvo… A marca do Homem deixada ao longo dos séculos, em terras distantes do litoral, do centro, e que mantêm orgulhosamente a identidade, conservando os seus monumentos, valorizando o que os torna únicos.
Depois, há as pessoas! As que fomos encontrando nas diferentes povoações, sim, mas também nós – o nosso grupo.
A preparação, a especialização, o saber e a paixão dos nossos guias, a força e o entusiasmo que puseram nas suas explicações, a afabilidade com que nos acolheram faz de nós seres privilegiados, uns sortudos.
E que dizer de um grupo disciplinado, pontual, bem disposto, interessado por todos os aspectos culturais, capaz de alinhar na procura do desenho escondido na pedra, no inteirar-se do processo de fabrico da amêndoa coberta, disposto a tragar da caneca um gole de Porto antigo, pronto a cantar os “Parabéns a você” mais trinta vezes se preciso ou a exteriorizar na dança a vibração forte que as concertinas provocam em nós!
E como não é só das coisas da alma e do espírito que nos alimentamos, que escolha acertada a do almoço no Freixinho!
Guardemos, pois, a memória de tudo o que experienciamos e que todas estas vivências nos ajudem a enfrentar a rotina do dia-a-dia com mais força e boa disposição.


MAIS FOTOS
Ana Lobo e Luisa Ferreira

Texto: Ana Amorim
Fotos: Maria Luísa Ferreira
Ana Maria Lobo






4 comentários:

  1. Que texto tão lindo e tão sentido! É belo e poético como o Douro. Que sorte termos no grupo pessoas que escrevem assim.

    ResponderEliminar
  2. Lindíssimo texto que espelha bem o que foi a nossa viagem e o nosso sentir. Obrigada Ana, pelo testemunho.

    ResponderEliminar
  3. Gostei muito do texto. É lindo e poético.

    ResponderEliminar
  4. Não fui ao passeio mas, revi todos os lugares que tão bem são descritos pela Ana Amorim.
    Conclusão: fiz dois passeios - o real e o "recordar".
    Bjs

    ResponderEliminar