Gota a
gota fomos chegando, à hora certa, ao ponto de encontro. Eram caras alegres e
sorridentes que se olhavam e cumprimentavam.
Fez-se
a chamada e todos responderam. Apareceu o guia – Pedro Santa Rita – elemento
fundador do grupo “Renovar a Mouraria”. E começou-se a visita.
Mas
nesse dia não havia procissão. Ouvimos, sim, a história da formação daquele
bairro de má fama – outrora – hoje cheio de história e recuperação.
Sabemos
que o recorte inicial de Lisboa é romano mas, os bairros mais antigos têm
traçado árabe: vielas tortuosas, pequenas praças, casas de cada lado da rua que
quase se tocam, ruas estreitas por onde dificilmente se circula.
Depois
da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques em 1147, a cidade expande-se e
criam-se novas freguesias – são 10 até ao final do séc. XII. No final do séc.
XIX existem 42 e no 1º quartel do séc. XX, 53 freguesias.
Em 1256
D. Afonso III faz de Lisboa a capital do reino e no final da 1ª dinastia, D.
Fernando, vê-se obrigado a traçar nova cerca para abranger os novos arrabaldes.
A construção começou no 1º dia de Setembro de 1373 “ por vontade do rei e força
do povo”.
Depois
da tomada de Lisboa, Mouros e Judeus vivem fora das muralhas em bairros de
vielas escuras, hortas e casais, quase sempre agrupados à volta de uma pequena
mesquita. A Mouraria possuía um templo no topo da actual R. do Capelão e
estendendo-se até muito perto da Praça da Figueira.
D.
Manuel I expulsou os mouros e os judeus em 1496. Os cristãos invadiram a
Mouraria, enchendo-a de templos. Durante a epidemia da peste negra, iniciou-se
o culto mais antigo e pitoresco desta zona – a devoção à Srª da Saúde. Mais
tarde apareceram as devoções a S. Roque e a S. Sebastião.
A
capela da Srª da Saúde está construída no vale situado entre a colina de S.
Jorge e a colina de Sant’Anna.
A
ermida da Srª da Saúde foi construída mesmo à beira da porta da Mouraria, um
dos locais onde se cobravam os impostos de portagem para a entrada de
mercadorias em Lisboa. Mais tarde esta porta deu lugar ao Arco do Marquês do
Alegrete. A capela foi construída em 1509, dedicada a D. Sebastião, advogado
contra os males da peste, da fome e da guerra.
Em 1506 a peste bubónica levou a população ao culto da Srª da Saúde, nessa mesma ermida de S. Sebastião. A capela tem uma arquitectura barroca de fachada simples que é atribuída ao mestre João Antunes. Ainda hoje a procissão realiza-se a 8 de Maio.
E Amália cantou:
“Após um curto rumor / profundo silêncio pesa / Por sobre o largo da Guia / Passa a Virgem no andor / Tudo se ajoelha e reza / Até a Rosa Maria”.
Botequins, batota, ladrões, malfeitores, prostitutas e rufias constituíram a vida e o estranho encanto da Mouraria. No séc. XXI, a Mouraria continua como nos tempos medievais – uma zona autónoma. Da Mouraria se faz o Templo do Fado e, foi na rua do Capelão que viveu e morreu, aos 26 anos, Severa – Mª Severa Onofriana (nascida na Madragoa).
Foi heroína digna de romance de cordel, prostituta recebida por nobres, rouxinol da
Mouraria…
Placa evocativa da Severa, na casa onde viveu |
Colégio dos meninos órfãos - portal |
Ainda na R. da Mouraria, encontramos o Colégio dos Meninos Órfãos, fundado em 1273 por D. Brites, esposa de D. Afonso III, tendo começado como hospital de crianças órfãs.
É composto por quatro andares. O piso térreo apresenta, na parte central, um portal manuelino com arco contra curvado assente em duas colunas delgadas colocadas em posição invertida - com os capitéis a servir de base -, sobrepujado por uma janela desenhada em arco de volta perfeita - servindo de arranque a quatro pilastras toscanas - e ladeado por uma porta e uma janela.
Os meninos aqui recolhidos eram instruídos na doutrina cristã, ensinavam-lhes as primeiras letras, aprendiam a cantar e a tocar órgão para acompanharem os missionários em terras distantes.
Entre a R. da Mouraria e o antigo Martim Moniz, situava-se o Palácio dos marqueses do Alegrete, que foi construído em 1580, junto à muralha Fernandina. Um dos seus habitantes foi o 2º conde de Vilar Maior, encarregado de ir a Heidelberg, buscar a Princesa D. Mª Sofia de Neuburg, que viria a casar com D. Pedro II. O palácio passou por diferentes proprietários e foi sede de diferentes funções. Acabou por ser demolido pela C. M. Lisboa em 1946.
Seguimos
pela R. do Capelão onde também morou Fernando Maurício – fadista afamado - ,
passámos pelo largo da Guia em direcção à rua Marquês de Ponte de Lima. Aí
podemos apreciar o convento de Sto Antão-O-Velho, antigamente conhecido pelo
Coléginho. Este convento tornou-se, em 1542, a 1ª fundação jesuíta. No seu
claustro ainda se podem admirar belos painéis de azulejos. Na capela do
convento encontramos algum espólio da igreja do Socorro – demolida nos anos 40
do séc. XX – Aqui está a imagem da Sr.ª do Bom Despacho . Eis a oração:
Por intercessão de Nossa Senhora do Bom Despacho
Por intercessão de Nossa Senhora do Bom Despacho
Deus,
Pai Santo,
Fonte
de todo o bem,
que na
vossa benigna Providência
quisestes
que vosso Filho Jesus Cristo
assumisse
verdadeira carne humana
no seio
da Virgem Maria,
concedei-me
que,
por
intermédio
de
Nossa Senhora do Bom Despacho,
alcance
a graça que Vos imploro. Amen.
No muro
alto da rua dos Lagares vimos uma exposição fotográfica da autoria da britânica
Camila Watson que retrata habitantes da Mouraria, comerciantes e artesãos.
Identificação do proprietário do prédio |
Igreja de São Cristóvão |
Continuada rua fora encontramos a igreja de S. Cristóvão situada no topo das escadinhas de S. Cristóvão. A primeira igreja aí construída, no séc. XIII, em honra da Sta Maria de Alcamim, foi destruída por um incêndio no séc.XIV. No século seguinte foi restaurada e melhorada. A sua fachada apresenta-se em estilo maneirista, com um portal no centro, encimado por um nicho com a imagem de S. Cristóvão. A frontaria é ladeada por 2 torres sineiras. A sua capela está inserida no palácio dos Caldas.
Mesmo ao lado – talvez em frente – deparamos com o palácio de S. Cristóvão, anteriormente conhecido por palácio Vagos. Possui uma arquitectura residencial, barroca. Planta do edifício desenvolvida a partir de um pátio central com acesso por meio de um túnel aberto no centro da fachada principal. Tem um portal manuelino, de verga recta, com decoração vegetalista, de feixe torso.
Em 1451
o palácio foi palco de festividades por ocasião do casamento de D. Leonor de
Portugal – filha de D. Duarte – com Frederico III dos Habsburgos e, que seria a
bisavó do Imperador Carlos V.
Mais
tarde o palácio foi denominado de casa dos condes de Aveiras e marqueses de
Vagos, por aí residir D. Álvaro, filho II dos duques de Bragança.
Em 1913
foi aí instalada a Associação dos Socorros Mútuos do Empregados do Comércio,
tornando-se esta casa uma maternidade famosa da região de Lisboa.
Palácio de São Cristóvão |
Esta zona pertence já à freguesia de S. Cristóvão- S. Lourenço. Até ao final do séc. XIX esta freguesia estava dividida em duas: S. Cristóvão e S. Lourenço. Numa das ruas da Mouraria está sinalizado o local de fronteira das freguesias.
Depois,
já cansadas, fomos até ao largo das escadinhas que dão para a rua do Poço do
Borratém e fomos degustar um merecido lanche-ajantarado, não sem antes
apreciarmos um grafiti feito pela Associação Renovar a Mouraria.
Maria Glória
Chaves
Maio de 2013
Vim logo ver o Blogue.
ResponderEliminarBom trabalho!
Muito obrigada.
MJoãoMacedo
Nós é que agradecemos a sua visita, a um cantinho que é de tod@s nós, associados e amigos do VCA
EliminarMT