Por motivos de problemas de visão, não conduzo e, viajo bastante nos transportes públicos. Como ando sozinha dou atenção ao que se passa à minha volta. Resolvi escrever alguns episódios engraçados que intitulei CONVERSAS DE OUVIDO. Esta pequena história passou-se numa viagem entre Sesimbra e Lisboa.
Mandou parar a camioneta. Perguntou:
- Vai para o Areeiro?
- Não. Esta vai para a Praça de Espanha.
- Mas, eu quero ir para o Areeiro.
O motorista – estrangeiro – não sabia informar.
A senhora, que ia sentada no 1º banco, inclinou a cabeça e disse:
- Vá até à Praça de Espanha e depois apanha o Metro para o Areeiro.
- Eu não sei andar no Metro. Quero ir para Cacilhas.
- Só às 4h (eram 12,45h) – respondeu o motorista.
A senhora do 1º banco insistiu.
-Suba. Venha. Desce nas portagens e aí apanha uma camioneta para o Areeiro.
- Mas eu não sei ir para essa paragem.
E a camioneta parada na berma da estrada.
- Venha que eu ensino-a.
A senhora entrou e sentou-se. Deu uma nota de 5 Euros e recebeu umas moeditas.
- O bilhete é caro! – comentou.
E começou uma amena conversa som a senhora do 1º banco. Ia ao médico. Ela sabia o caminho se fosse por Cacilhas. Mas, assim…. Ia aprender um caminho novo. Sim, porque ela já tinha 80 anos.
- Não parece. Está muito bem conservada – adiantou a senhora do 1º banco.
- São os seus bons olhos a falar.
E continuou. Estava viúva desde há nove meses. O marido tinha falecido no dia em que fizeram 56 anos de casados. Tinha dois filhos: um que foi muito mau e lhe deu muitos, muitos problemas. Estava no Canadá e já tinha uma menina com 12 anos. O outro era bonzinho mas, há cinco anos que não lhe falava e nem tinha ido ao funeral do pai.
- E dizia eu que era bonzinho. Valha-me Deus!
Mas ela adoeceu muito. E a médica quis falar com os filhos. Veio o do Canadá. Quando soube do estado da mãe, ficou cá e não a deixou mais. Ela precisa de ser operada ao coração. Mas este ministro não dá dinheiro aos hospitais. A prótese, que ela tanto precisa, tem que ser em 2ª mão.
- Se calhar vão tirar de algum morto. Já viu?
- Pode ser que seja de um rapazinho novo e jeitoso – respondeu a senhora do 1º banco.
E riram-se as duas. Mas o filho – o que era bonzinho enviou-lhe uma carta de intimação – ao fim de seis meses do pai morto – a reclamar a herança.
A camioneta chegou às portagens. Ela saiu.
Disse muitos adeus.
E ficou à espera que outra camioneta a levasse ao Areeiro, pelo caminho novo.
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Texto: Maria da Glória Chagas
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