Para
além da história económica e política
Falar
de Templários é falar de mistérios, falar de uma instituição que
nasceu e cresceu num momento em que se dá um cruzamento entre
Religião, Filosofia, Arte e Tradição particularmente profícuo mas
também conflituoso. Os Templários têm sido vistos e imaginados de
muitas formas, umas lisonjeiras, outras maléficas, outras
mítico-mágicas. No entanto, se quisermos perceber mais um pouco
desse “caldeirão cultural” em que a Ordem do Templo se formou e
desenvolveu, e perceber porque razão foram condenados e castigados
pelo Papa Clemente V, como heréticos, há que compreender também
que o contato que os cavaleiros do Templo tiveram com as culturas do
Oriente nos séculos XII e XIII, os levou a encontrar
restos/fragmentos das crenças gnósticas, quer na Palestina quer nas
suas sobrevivências especialmente vivas na Grécia, em
Constantinopla e em Alexandria.
A
Gnose enquanto movimento filosófico nasce entre os Gregos, muito
influenciada pelo Platonismo, pelo Pitagorismo, pelos Mistérios de
Elêusis, e defende a possibilidade de um conhecimento integral do
mundo e dos princípios que o regem implicando uma compreensão que é
também auto-conhecimento, o que hipoteticamente nos aproximaria da
divindade. Para atingir a Sabedoria eram necessárias várias vias,
sendo uma delas a reencarnação.
Desde
muito cedo (séculos II e III da era cristã) que as crenças
gnósticas estão, presentes em todos os debates e heterodoxias
esmagadas progressivamente pela ortodoxia da igreja que se vai
construindo como instituição.
Um
dos indícios da existência de crenças gnósticas entre os
cavaleiros do Templo é a utilização do abraxas,
símbolo gnóstico composto por um personagem cujo corpo está
coberto por uma armadura, terminando com um vestido curto, donde
saem, em vez de duas pernas, duas serpentes, cada uma com duas
cabeças. Em geral, a personagem tem na mão esquerda um escudo
redondo ou oval, onde estão inscritas as letras sagradas I A O ou A
O I ou I A ÓMEGA, e, na outra mão, um chicote que é o do deus
egípcio Amon-Ra, símbolo da firmeza, do governo, do poder, da lei,
do império sobre os seres e as coisas, o ceptro chicote de Amsu.
Esta personagem tem uma cabeça de galo voltada para o céu,
lembrando o canto matinal ao Sol.
Entre
os selos da Ordem há um, guardado nos Arquivos Nacionais de França,
onde figura claramente um abraxas
acompanhado pela menção Secretum
Templi, e
encimado pela cruz da Ordem.
Paul
de Saint-Hilaire, numa obra dedicada aos selos dos Templários,
refere também a existência da palavra abraxas
gravada em cruzes templárias e lembra que”mais de um décimo das
impressões deixadas pela Ordem do Templo são entalhes gnósticos
dos primeiros séculos, recuperados e montados em selos”. Todos
figuravam em selos postos em documentos com datas entre 1210 e 1290.
Na
Idade Média, os Cátaros foram os principais representantes das
doutrinas gnósticas no Ocidente, e é muito interessante constatar
que o desenvolvimento do catarismo em França tenha ocorrido
essencialmente nos locais onde os Templários, desde a criação da
Ordem registaram o seu maior progresso – no Languedoc e em
Champagne.
Como
é sabido, para os Cátaros, Deus não pode estar ligado à matéria,
o plano da sua realidade é incomparavelmente mais elevado, não
podendo estar imiscuído nem na criação material nem na encarnação
das almas. Assim, para que as almas pudessem ser salvas Deus teria
criado uma emanação de si, para fazer uma ponte entre o céu e a
terra – Cristo. Ser “perfeito” não era mais do que um estado
preparatório, pois que só pelo consolamentum
se recebia
a salvação.
Não
conhecemos a essência desse sacramento apenas conhecemos as fórmulas
do rito e a exigência de uma reunião de homens purificados, sendo o
conteúdo espiritual transmitido por um perfeito que o recebera ele
próprio de acordo com uma cadeia que se julgava ininterrupta. Um
beijo simbólico selava a transmissão de uma vida superior e era o
sinal visível da corrente de amor que passava de uns para os outros.
Para alguns autores, o consolamentum
era o “segredo de Jesus”, o espírito do “Graal”. Na
encarnação de Cristo, os cátaros apenas viam um valor simbólico
que apenas poderia ter ocorrido em imagem, sem realidade carnal, dado
que Deus não podia encarnar na matéria. E, isso também podia muito
bem estar de acordo com o ritual de negação de Cristo, que
inegavelmente existiu na Ordem, ainda que os testemunhos recolhidos
provem que, pelo menos nos últimos anos, aqueles que o praticavam
não sabiam verdadeiramente o que faziam. Em 1136, a regra da Ordem
foi modificada sendo autorizada a receber
no seu seio
os excomungados, com a única reserva de que tivessem manifestado
arrependimento. Isto permitiu, pois, aos Templários receberem
cátaros, tanto mais que não tinham mostrado muita pressa em ajudar
os barões do norte na sua cruzada contra os Albigenses.
Não
resta também dúvida de que os Templários mantiveram uma relação
bastante estreita com os intelectuais das aljamas judaicas,
nomeadamente no reino de Castela e de Aragão, onde se estudava a
Cabala – uma forma de estudar misticamente as Escrituras, para
extrair delas o sentido último da criação da vida e identificar-se
com ele.
Simbolicamente,
este sentido confundia-se com a possibilidade alquímica de criar,
materialmente, essa mesma vida.
Há
vários indícios que podem conduzir à suspeita fundamentada de que
os Templários beberam em fontes cabalísticas e, em mais de um
aspeto, exprimiram esse seu conhecimento em símbolos adotados por
eles, aos quais se atribuiu uma interpretação diferente da que os
mesmos podem ter quando analisados do ponto de vista esotérico da
Cabala. Um desses sinais é precisamente o bafomet
, que não
seria objeto de adoração idolátrica mas um elemento de meditação
, em muitos casos, na sala de reuniões das comendas.
O
bafomet
é uma representação de uma cabeça, muitas vezes de caráter
andrógino,.e uma caveira ou uma cabeça, com barba, e também, por
vezes, um pentáculo salomónico.
Também
o sinete templário, representando dois cavaleiros montando um único
cavalo, o que foi interpretado como um sinal de pobreza – o que é
uma interpretação não só falsa como gratuita – coaduna-se
bastante com uma leitura cabalística em que Yavé, o criador da
Cabala, defende que um único homem não está em condições de
apreender inteiramente o seu sentido, portanto escolhe um companheiro
e dedica-se a meditar sobre ele a fim de o compreender. O cavalo
constitui uma representação oculta dos segredos cabalísticos, que
se repetiu ao longo da iconografia e dos mitos medievais.
Muitos
são os indícios que nos permitem pensar que existiram razões, para
além das óbvias ambições económicas e políticas, para a
condenação e extinção da Ordem do Templo, por parte da Igreja,
sendo que é certo que o mais temido é aquilo que se desconhece, e,
logicamente, quem possua saber desse mesmo desconhecido.
O
sagrado acha-se intimamente ligado ao secreto e, isto porque, em
última análise, esse sentido da transcendência para o qual tende
qualquer crença religiosa representa, para o ser humano, um mistério
total e intransponível. A crença originou temor ou, melhor, é uma
fonte desse temor – o medo último da morte e do que se possa
encontrar por detrás dela.
E
esse mesmo medo visceral criou a dependência do Homem em relação
àqueles que tiveram – ou aparentaram ter – conhecimento certo do
chamado Além.
Texto: Isabel Gualdino
Fotos: retiradas da Internet